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Discurso do Presidente da Seccional da OAB-BA, no 90º aniversário da morte do patrono da advocacia brasileira.

Rui Barbosa 90 anos depois: A Atualidade permance

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Discurso do Presidente da Seccional da OAB-BA, Luiz Viana, no Conselho Federal da OAB, na última segunda-feira (11), no 90º aniversário da morte do patrono da advocacia brasileira.

Rui Barbosa 90 anos depois: A Atualidade permance

No dia 2 de março de 1923, jornal carioca estampou na primeira página: "Apagou-se o sol"

Rui Barbosa morrera na véspera, dia 1º, às 20 horas e 25 minutos, de paralisia bulbar!
Passados 90 anos, venho a esta augusta casa para desdizer a manchete do jornal: o sol não se apaga jamais!

Nosso patrono –aquele que "estremeceu a pátria, viveu no trabalho e não perdeu o ideal" o combatente da legalidade, o maior entre os maiores, o ímpar entre seus pares, continua atual.

"A atualidade de Rui está na perenidade das suas ideias, dos seus escritos, nas lições do homem público, do publicista, do jurista e do jornalista; nos conceitos de ética, moral, honra, cidadania, justiça, direito, liberdade; nas instituições que ele idealizou e implantou na Republica"

Certa feita um jovem estudante Afrânio Peixoto, que depois seria o grande Afrânio Peixoto, pediu-lhe um autógrafo, e ele perguntou pra que? Para depois se perder-se, voar ao vento? A memória persiste quando fica registrada na alma das gerações.

Rui será inesquecível porque sua memória restará gravada na alma de todas as gerações de advogados deste país. É nosso o dever de manter o culto não de sua pessoa, mas de sua obra, de seu magistério, de sua imorredoura lição.

Nascido em 5 de novembro de 1849 na Bahia, na Rua dos Capitães, hoje Rua Rui Barbosa, partiu para a imortalidade em 1º de março de 1923, aos 73 anos. Muito jovem, ainda!

Não farei sua cronologia, mas não posso deixar de destacar alguns fatos. Foi deputado à Assembleia Geral Legislativa Provincial da Bahia, com 29 anos, deputado à Assembleia Geral Legislativa da Corte, com 30 anos, e senador pela primeira vez aos 40 anos. Foi quatro vezes senador pela Bahia.

Já estudante de direito, primeiro no Recife depois nas Arcadas do São Francisco em São Paulo, bateu-se pela abolição da escravatura. É dele o projeto deliberação do ventre das escravas de propriedade dos maçons, ideia precursora da Lei do Ventre Livre; a seguir redigiu o projeto sobre a emancipação dos escravos que depois se converteu na lei dos sexagenários.

Deputado eleito, elaborou projeto da reforma eleitoral, conhecido como Lei do censo ou da Eleição Direta, primeira tentativa da democratização do voto. Rui era a favor da eleição direta!

Relatou na Comissão de Instrução Pública da Câmara dos Deputados a questão do ensino e da educação, emitindo depois que o governo reformou o ensino primário e secundário no município da Corte e o superior em todo o Império, extensos pareceres sobre a organização nacional da Educação. Pregou a liberdade de ensino, alfabetização das massas e formação das elites nas universidades, mas traçou plano amplo para as instituições educativas para o país. Antecipou-se a seu tempo e seus pareceres deram-lhe o título de precursor da educação física, do ensino musical, do desenho e dos trabalhos manuais, básicos para o ensino industrial.

Apaixonado reformador, é de Rui o Decreto nº 1 do Governo Republicano de Deodoro da Fonseca adotando o regime federativo, transformando as províncias em Estados. A federação é um bem a preservar, inclusive na nossa OAB.

É dele também o Decreto 119-A que separou a Igreja do Estado consagrando a liberdade de cultos.

Mais importante ainda. É obra sua, quase toda sua, o projeto que se tornou a primeira Constituição republicana brasileira a de 1891.

Introduziu no sistema brasileiro os Tribunais de Contas.

Reviu o projeto de Código Civil no Senado e debateu com Carneiro Ribeiro, seu ex-professor de português, em uma das maiores polêmicas de gramática e estilo travadas no Brasil, que veio a gerar um dos mais importantes trabalhos de filologia brasileira, conhecido como a réplica.

A 2ª Conferência de Paz, na qualidade de embaixador foi ponto fulgurante de sua trajetória, quando ficou conhecido internacionalmente como o Águia de Haia. Foi precursor do conteúdo ideológico do pan-americanismo e sustentou a igualdade entre as nações.

Durante a 1ª Grande Guerra protestou contra a neutralidade: "os tribunais, a opinião pública, a consciência, não são neutros entre a lei e o crime"

Esteve atento à realidade social e militou pelas causas do direito e da justiça, pela democracia e pela liberdade em todas as suas manifestações.

Em sua conferência "A Questão Social e Política, no Brasil" sustentou serie de medidas e cuidou de aspectos ate hoje atuais em favor do proletariado, como habitação do operário, trabalho de menores e mães operarias, duração da jornada, acidentes do trabalho seguro do trabalho, igualdade dos sexos no tocante ao salário e reclamou por benefícios também para o trabalhador rural.

A maioria das reivindicações de Rui continuam em discussão: a formação de um verdadeiro regime federativo, as garantias dos direitos individuais, a liberdade politica e social, a liberdade de imprensa, a autonomia dos poderes!

A teoria constitucional brasileira, nascida com a Constituição da República, tem na obra de Rui a sua interpretação e nela está fundamentada.

Combateu na tribuna legislativa, da câmara e sobretudo no senado, na imprensa, nos jornais, e nos tribunais.

Aqui um destaque: Rui foi o maior advogado que este país já viu desfilar, sobretudo no Supremo Tribunal Federal. Seria demasiado, mesmo em voo rasante, falar da extensão de sua advocacia. Optei por dois exemplos.

Impetrou o 1º Habeas Corpus da República em defesa das vitimas dos atos inconstitucionais do Marechal Floriano Peixoto. Em 10 de abril de 1892 o Governo de Floriano baixou o decreto 791, declarando estado de sitio, por suposta sedição organizada por civis e militares, suspendeu as garantias constitucionais por 72 horas, e prendeu todos,mandando-os para bem longe Cucui, Tabatinga e outros pontos no extremo norte do país. Entre eles: três marechais: Jose de Almeida Barreto, Jose Clarindo de Queiroz e Antônio Maria Coelho; um ex-ministro e vice-almirante Eduardo Wandenkolk; senadores e deputados, poetas como Bilac e Pardal Malet; Jornalistas como Jose do Patrocínio e professores catedráticos como J. J. Seabra e Campos da Paz.

O ambiente estava carregado. Todos temiam novas prisões.

Ninguém sabia o que fazer. Enquanto todos temiam, foi aquele homem de pequena estatura física mas de coragem inexcedível, quem tomou a frente à defesa. Impetrou o primeiro habeas-corpus em matéria política na Suprema Corte que levou o numero 300. Longa peça manuscrita com mais de 50 folhas. Nele Rui leciona sobre a legalidade constitucional servida pelos tribunais. É a sustentação pela vez primeira da possibilidade de controle concreto da constitucionalidade dos atos do Poder Executivo. Ajuizou a peça em 18 de abril de 1892, em favor de 40 presos. Data em que se pode dizer com Rubem Nogueira: "inicia-se a carreira de pontífice máximo do foro brasileiro".

Iniciou-se debate sem precedentes. Os ministros do Supremo atordoados. Podiam ou não conhecer do pedido? O ato de Floriano deveria ser inutilizado por uma ordem judicial sumaria? Era o habeas corpus o remédio próprio?

Já estava suspenso o Estado de Sitio, o ponto crucial era resolver se ao poder judiciário competia apreciar, ante do juízo político do Congresso, o uso que o governo fizera da suspensão das franquias individuais. Tese virgem na jurisprudência brasileira.

Os juízes temiam o Marechal.

A peça por isso mesmo inicia com a seguinte frase: a decisão que vinha sustentar era "da maior gravidade cívica, a de mais vasto alcance moral, que jamais pendeu na justiça brasileira"

Sobre a ilegalidade das prisões o argumento é inatacável. Foram feitas na véspera da publicação do Decreto que impôs o Estado de Sitio, portanto, nulas de pleno direito.

O Habeas Corpus foi negado por 10 votos a 1, relator o Ministro Joaquim da Costa Barradas. Entendeu naquele momento que não é da índole do Supremo Tribunal Federal envolver-se nas funções políticas do poder executivo ou legislativo, e como o Estado de Sítio havia cessado, "não importa na cessação das medidas tomadas ao longo dele, que continuam a subsistir até que sejam os acusados submetidos aos tribunais competentes"

Grande decepção. No dia do julgamento Rui beijou a mão do único ministro que votou contra o Marechal –Ministro Piza e Almeida: Rui pediu "o consolo de beijar a mão de um justo".

Talvez aí tenha nascido à ideia depois pronunciada: "o Judiciário foi o Poder que faltou à República". Era o drama de um combatente solitário.

Escreveu então: "os meus contraditores podem continuar a bater-se pelo governo, cliente que não deixa mal seus advogados. O meu é a liberdade, nem sempre grata aos seus amigos. Dos prêmios, que ela dá, o único, que não falha, é a satisfação da consciência. Esse já tenho. Estou pago"

O solitário porém apaixonou a todos e ganhou devotos, através da imprensa.

Não tardou para que outra oportunidade se apresentasse. Eclode a Revolta da Armada, em julho de 1893. O navio mercante Júpiter havia sido aprisionado pelos rebeldes, mas foi recuperado pelas forças leias ao Governo Floriano. Presas 48 pessoas, entre tripulantes e passageiros, inclusive cidadãos ingleses e norte-americanos, recolhidos à fortaleza Lage e Santa Cruz incomunicáveis como cumplices do senador Eduardo Wandenkolk, chefe da revolta.

Desta feita sequer houve decretação de Estado de Sitio.

Rui voltou ao Supremo com o Habeas Corpus 406.

A ilegalidade das prisões era evidente por não haver flagrante, sem processo, sem juiz, sem arrimo de autoridade para ouvi-los, numa prisão indefinida, sem limites.

O Relator Ministro Barros Pimentel levantou duas preliminares: incompetência absoluta do Supremo e de não estar à petição segundo a forma do art.341, §2º, do Código de processo.

A maioria as rejeitou. Passando a decidir, em 09 de agosto, o Supremo acolheu o pedido, com exatos 10 x 1, mesmo resultado inverso do anterior HC 300. Votaram a favor: Ministros Aquino e Castro, Jose Higino, Bento Lisboa, Ferreira de Rezende, Barradas, Andrade Pinto, Macedo Soares, Ouvidio de Loureiro, Piza e Almeida e o relator. Contra o Ministro Faria Lemos.

Floriano teria mandado perguntar aos Ministros da Corte, quem daria, dali para frente, Habeas Corpus ao Supremo! Maior ameaça impossível! Felizmente não cumprida.

Era a redenção do combatente solitário! Rui vencera o Marechal!

"Depressa Rui se transformou numa espécie de advogado do povo. Há alguém preterido nos seus direitos? Rui será certamente o seu patrono. Assim, se o Congresso decreta anistia, julgando impossíveis de revisão as penas e os processos dos aparentemente beneficiados pela medida, é ele quem bate às portas dos tribunais, para se opor àquele caro de teratologia jurídica. Foram demitidos de suas funções os professores da Escola Politécnica? Rui irá defendê-los. Aposentou o governo algum magistrado em disponibilidade? Rui aparece pleiteando a reintegração. E os próprios monarquistas cujo partido fora reorganizado em 1896, vendo-se ameaçados, não procuram outro advogado".

Rui é um monstro no trabalho. Jose do Patrocínio teria dito: "Deus acendeu um vulcão na cabeça do Rui" O vulcão expirou, mas seus efeitos permanecem para sempre na alma e na consciência da Nação.

O preço que pagou foi o Exílio para Londres onde ficou até passar a sanha de Floriano. Voltou quando a espada deixou o palácio.

Aqui cai bem a lição: "o advogado pouco vale nos tempos calmos; o seu grande papel é quando precisa arrostar o poder dos déspostas, apresentando perante os tribunais o caráter supremo dos povos livres".

O escritório de Rui ficava na Rua do Rosário nº 72 –1º e 2º andares. Era uma alfândega, pois a clientela era tão grande que havia dias em que a gente era tanta que não cabendo na sala se derramava pelos vãos e degraus da escada.

Haveria muito que falar. Rui é uma obra infinita! Cabe-nos honrá-la, aprender com ela, reverenciá-la. A cada ano, Senhor Presidente, deveria haver um evento de homenagem a nosso patrono, como, sem dúvida, na entrega da medalha Rui Barbosa.

Neste momento, cabe voltar à síntese magistral de sua definição da missão do advogado.

"Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com a imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem."

Antes de concluir Senhor Presidente. Permita-me atualizar a campanha civilista. Rui foi candidato a Presidente da República 4 vezes. Na terceira vez, em 1909, contra Hermes da Fonseca, desfraldou a campanha civilista. A pena contra a espada. Na sua maravilhosa carta em resposta a Evaristo de Morais respondendo consulta sobre o dever de o advogado defender quem precisa de defesa mesmo que eventual adversário político, está registrado na introdução da troca de correspondência entre os gigantes por Evaristo de Morais Filho:

Além da luta civil-militar, como passou à história, dava-se também o conflito entre a mentalidade liberal e a mentalidade positivista representada pelo Senador do Rio Grande do Sul. Hoje, à distância, pouco se pode medir realmente o que significou a campanha civilista, na tentativa de republicanizar a República, de estabelecer uma autêntica representação política dos estados, do povo e das minorias sufocadas pelo poder central.

Nesse momento da Nação, Senhor Presidente, em que vemos crise ético-política espalha-se por todo lado, alcançando os três Poderes e a sociedade como um todo, precisamos reabilitar o chamado de Rui, mas de 100 anos atrás.

É preciso republicanizar a República, ou seja, incrementar a participação democrática dos cidadãos, em condições de igualdade substantiva no nexo econômico-legal, por forma a que o ideal de autogoverno possa ter expressões muito mais concretas.

Vossa Excelência, Senhor Presidente, iluminado pela doutrina, pela conduta, pelo exemplo de Rui está vocacionado para essa tarefa. Na qualidade de nosso Battonier bem que poderia empunhar essa bandeira: republicanizar a República. A esse chamamento contará Vossa Excelência com os advogados da Bahia.

Amigos e Conselheiros: voltar a Rui 90 anos depois é constatar sua atualidade e alcançar inspiração para a paixão, a coragem e a esperança.

Paixão pela advocacia.

Coragem para lutar por legalidade e liberdade tábuas de nossa vocação.

Esperança que nosso trabalho não seja em vão!

O passado é um só. O futuro são muitos os possíveis. Precisamos estar sintonizados com os sonhos do amanhã!

Oxalá, nesse próximo triênio, à frente Marcus Vinicius Furtado Coelho, possamos fazer crescer a esperança de todos os advogados e advogadas desse imenso país, e que nos encham de coragem para lutar apaixonadamente por uma advocacia melhor.

Meu caro Presidente: só os tolos não sentem o vento da mudança após sua posse. Depois do culto à obra de Rui, permita-me que termine com a balada dos Scorpions – o vento da mudança – The Wind of Change:

O vento da mudança sopra diretamente
Na face do tempo
Como uma tempestade de vento que irá tocar
O sino da liberdade pela paz da mente
Deixe sua balalaica falar
O que meu violão quer dizer

Leve-me à magia do momento
Numa noite de glória
Onde as crianças de amanha dividem seus sonhos
Com você e eu

Leve-me à magia do momento
Numa noite de glória
Onde as crianças de amanha ficam sonhando
Com o vento da mudança

Nesta noite de glória e culto à obra de Rui –esse sol que nunca se apaga, esse guia para o futuro -,nessa noite de glória deixemo-nos embalar pelas crianças de amanhã que ficam sonhando com o vento da mudança.

Toque Vossa Excelência, Senhor Presidente, a balada do vento da mudança para embalar a todos nós no percurso da construção dos sonhos do amanhã!

Com paixão, coragem e esperança!

Luiz Viana Queiroz
Presidente da OAB-BA