Artigo: Equívocos e impunidade
Curitiba (PR), 21/05/2009 - O artigo "Equívocos e impunidade" é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, Alberto de Paula Machado, e foi publicado na edição de hoje (21) do jornal Gazeta do Povo (PR):
"A garantia constitucional do foro por prerrogativa de função é equivocadamente descrita, no permanente debate a respeito da reforma do sistema processual penal brasileiro, como a principal causa da impunidade de autoridades criminosas.
O instituto do foro especial, ao contrário do que se afirma, não se traduz abstratamente em um privilégio ao detentor da prerrogativa, especialmente porque suprime um ou alguns graus de jurisdição. Por exemplo, o deputado federal acusado da prática de uma infração penal será processado e julgado perante o Supremo Tribunal Federal (STF) e, contra a decisão de mérito, não caberá recurso para qualquer outro órgão judicial.
De outro lado, a extinção do foro por prerrogativa não traria ao processo criminal a efetividade esperada, pois, de qualquer forma, o acusado teria à disposição todos os recursos inerentes ao sistema processual penal, com o aumento do número de instâncias, inclusive. Em linhas gerais, isso significa que o processo seria ainda mais demorado. As mesmas críticas ao foro especial podem ser dirigidas, com maior acerto, à morosidade da justiça. Ou seja, a solução de um problema criaria outro, evidenciando o caráter essencialmente superficial e simplista do discurso de que o foro privilegiado é o causador de impunidade.
A inquestionável impunidade dos detentores de foro por prerrogativa, motivo central das propostas de sua extinção, tem causas mais distintas e complexas. Elas começam na própria deficiência e timidez da investigação sobre as autoridades públicas, tradicionalmente blindadas contra a persecução penal, em face das estruturas de controle do poder político. Esse é o ponto a ser atacado em qualquer reforma que pretenda alterar a realidade de maneira efetiva.
A morosidade processual é tema que aflige a nação e ela alcança tanto o processo penal como o processo civil e não depende da simples revogação de determinado artigo de lei.
Apenas para exemplificar, há dezenas de processos que tiveram origem em escândalo envolvendo ex-prefeito de uma das maiores cidades do nosso estado que, após mais de dez anos, sequer tiveram sentença de primeira instância. Ou seja, são processos que uma década após a sua instauração ainda estão em fase inicial.
Importante destacar que esses processos tramitam desde o início no primeiro grau de jurisdição, sem a garantia do foro privilegiado. Contra sentença de primeira instância haverá recurso para o Tribunal de Justiça, depois para o STJ e, ainda, para o STF. Dez anos, sem foro privilegiado, e o processo sequer teve sentença.
O exemplo serve apenas para reforçar que a extinção do foro privilegiado, ao contrário do que largamente difundido, não representará maior efetividade no combate à corrupção e à impunidade. Não se está aqui a defender a manutenção do foro privilegiado, mas é necessário desmistificar o tema, pois não é sincero e razoável atribuir-se a impunidade ao foro por prerrogativa de função."