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Congresso tem ano apático enquanto Judiciário cresce

por Daniel Roncaglia

 

A decisão do Senado de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para que a Câmara dos Deputados aprove a PEC dos Vereadores resume em um episódio a atitude do Congresso Nacional neste ano: enquanto o Judiciário exerceu papel inédito de relevância no debate politico, o Legislativo se deixou eclipsar. Quando não estavam reclamando do Executivo por causa do uso abusivo de Medidas Provisórias, deputados e senadores estavam batendo às portas do Judiciário para dar cabo de suas próprias picuinhas.

Os próprios parlamentares ajudaram a diminuir a importância de suas funções. Na Câmara, a omissão foi também física: os deputados tiveram uma média geral de 16% de ausências nas sessões plenárias, mais de dois pontos percentuais acima da marca registrada em 2007, segundo levantamento do site Congresso em Foco. As eleições municipais deram uma primeira contribuição para esvaziar o plenário das duas casas do Congresso ao deixar os parlamentares às voltas com suas bases — seja lá o que isso quer significar.

Mas, a falta de crises também colaborou para a apatia política das duas Casas. Depois da sequência de mensalão, Severino e Renan Calheiros que tumultuaram e colocaram em evidência o Parlamento nos anos anteriores, 2008 passou sem deixar marcas pelas duas conchas invertidas da Praça dos Três Poderes.

A pauta trancada pelas MPs teve seu peso na morosidade legislativa. Segundo a presidência da Câmara, 90 sessões deliberativas em plenário foram trancadas, ao longo do ano, por causa das MPs. A paralisação representou 55% das reuniões deliberativas — aquelas agendadas para votação de proposições. No Senado, esse número foi de 80, o que representou 66% das sessões. O problema, que está no topo das preocupações dos parlamentres, pode ser resolvido com a PEC das MPs, já aprovada em primeiro turno pela Câmara e que altera o mecanismo de votação dos quase-decretos presidenciais.

No entanto, foi o Judiciário — e não o Legislativo — quem deu o primeiro passo para coibir o abuso das MPs pelo Executivo. Em maio, o Supremo julgou inconstituicional a prática do governo de editar MPs  para a liberação de créditos extraordinários para cobrir despesas previsíveis. A chamada MP revotagória, que é editada para derrubar outra, também foi considerada ilegal pelo STF.

A perda de importância do Congresso foi sentida por inúmeras declarações dos seus próprios membros. Em novembro, o Senado organizou um seminário sobre a questão. Para justificar o debate, o presidente da Casa, Garibaldi Alves (PMDB-RN), disse que “às vezes o Poder Judiciário esquece que é Poder Judiciário e pensa que é Poder Legislativo”. Já o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) disse que se incomoda quando o Judiciário legisla. “Não deveriam legislar. Quando eles não julgam nós poderíamos, então, fazer justiça sob nossa própria ótica". Retórica de mau perdedor. Senadores e deputados sabem que as causas do esvaziamento de seus poderes estão dentro e não fora do Parlamento.

Legislativo desautorizado

Em outros dois momentos deste ano, o Congresso, que tem 594 membros, passou pelo vexame de ser desautorizado pelo Supremo, formado por 11 ministros. Depois de o STF ter aprovado a Súmula Vinculante 13, que proíbe o nepotismo, os presidentes do Senado e da Câmara vacilaram em limpar o parlamento da parentalha de deputados e senadores.

Garibaldi Alves chegou a pedir um parecer de sua assessoria jurídica na busca de uma brecha para a manutenção de parentes de senadores contratados sem concurso público. Segundo a interpretação, a Súmula não alcançaria os parentes que entraram no cargo antes da posse do senador. O presidente do Senado desistiu de levar a questão ao Supremo depois que o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, entendeu que o parecer era inválido.

“Antes de chegar no Supremo eu desisto do que está sendo dito na súmula em nome da Mesa Diretora. Isso é para evitar desgastes, que o Supremo venha a desautorizar o Legislativo. Afinal de contas, somos um Poder. É constrangedor para nós ter um conflito entre poderes”, afirmou o senador na época. Mais de 86 funcionários foram exonerados.

A aplicação da fidelidade partidária foi outro momento em que o Legislativo relutou e esperneou antes de se render ao Judiciário. Depois de ser obrigada a engolir a instituição da fidelidade por uma decisão do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral, a Câmara resistiu o quanto pode para cassar Walter Britto Netto (PRB-PB), primeiro deputado federal julgado e condenado por infidelidade no TSE. O presidente da casa, Arlindo Chinaglia, esperou que o Supremo julgasse o último recurso apresentado pelo deputado para cumprir a sentença de cassação da Justiça Eleitoral e e devolver o cargo ao suplente de Britto Neto, do DEM.

CPI dos Grampos

No campo investigativo, o melhor momento do Congresso foi a CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas. Ironicamente, ela foi aberta pela suspeita de grampos em telefones de ministros do STF. No início, a comissão não gerou grande interesse. Mas, depois da Operação Satiagraha — o grande assunto político-policial do ano — a questão dos grampos ganhou as manchetes.

A CPI deve terminar em marçode 2009 com dois resultados. O primeiro é o projeto da nova Lei de Interceptações. O outro é o relatório que, além das informações sobre o estado dos grampos no país, deve pedir o indiciamento do e-diretor da Abin, Paulo Lacerda, e do diretor-adjunto afastado, José Milton Campana. Segundo o presidente da CPI, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), o documento deve ainda apresentar o número de grampos feitos em 2008.

Destaques do ano

Entre as propostas aprovadas no Congresso, destacam-se projetos como a Lei Seca, que restringiu a tolerância com motoristas alcoolizados, a instituição de cota racial nas universidades públicas, a guarda compartilhada de filhos de pais separados, a licença maternidade de seis meses e a regulamentação do uso de animais como cobaias em pesquisas científicas.

Há ainda a aprovação da PEC dos Municípios, que regulariza a situação dos 56 municípios brasileiros criados a partir de 1996. O projeto foi aprovado a toque de caixa, para obedecer ao prazo estabelecido pelo Supremo para que o Congresso cumprisse a obrigação de regulamentar a matéria, que vinha sendo postergada havia 20 anos.

Na questão de segurança pública, o Congresso teve um ano produtivo. A iniciativa mais significativa foi a aprovação do projeto que introduziu mais de 100 mudanças nos procedimentos do Tribunal do Júri. A Lei 11.689/08 tem entre suas principais inovações a supressão do dispositivo que previa um novo julgamento automático no Júri Popular nos casos de condenação acima de 20 anos.

Também foi autorizada a videoconferência para acusados presos, a tipificação dos crimes de exploração de jogos de azar. O Legislativo aprovou o piso nacional dos professores, estipulado em R$ 950, a aposentadoria para o trabalhador rural contratado por curto prazo e o estágio remunerado.

Foi aprovado ainda no Congress o Fundo Soberano, que serve como uma poupança do país. Nesta questão, o Congresso levou um drible do governo. No mesmo dia em que promulgou a lei, o Executivo baixou a MP 452 que garante recursos para o fundo através da emissão de títulos públicos. Essa possibilidade havia sido negada pelo Congresso. Na última segunda-feira do ano (30/12), a oposição bateu, mais uma vez, às portas do STF para derrubar a MP.

Mais leis

Segundo o jornalista Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a produção legislativa em 2008 teve quatro características: quantidade, baixa qualidade, aumento da autoria de parlamentares e pouca participação dos plenários das casas em sua aprovação.

Levamentamento do Diap mostra que foram aprovadas 241 leis no Congresso (veja abaixo tabela com a produção de cada Casa). Em 2006 foram aprovadas 178 e em 2007, 198. “Com raras exceções, as leis de 2008 deixam muito a desejar. Para se ter uma idéia, mais da metade delas tratam de homenagens, de datas comemorativas, de remanejamento de recursos orçamentários, criação de cargos em comissão, entre outras matérias de pouca importância, em termos de política pública”, analisa Queiroz.

O analista ressalta que, desde de 2004, esse foi o primeiro ano que não houve crise politica significativa. A execeção ficou com a questão, de relevância menor, dos cartões corporativos, que afetou mais o Executivo. Talvez por isso, a participação do parlamento na produção legislativa aumentou, passando de históricos 20% para 35%. . Das 241 leis aprovadas no ano, 84 são de iniciativa de parlamentares.

O grande legislador continua sendo o Executivo responsável pela apresentação de 143 projetos de lei dos 241 que foram aprovados no ano. Queiroz pondera que desses, 90 são de matéria orcamentária, cuja iniciativa é privativa do Executivo, e 26 cuidam de criação de cargos ou reestruturação de carreiras no governo e dos tribunais superiores. “Quem mais legislou em matérias de iniciativa comum aos três poderes foi o Legislativo, portanto, os parlamentares”, diz Queiroz.

Quanto à forma de tramitação, das 241 leis, 82 foram aprovados no plenário do Congresso — sessão conjunta da Câmara e Senado —, 100 foram aprovadas conclusivamente pelas comissões técnicas e 59 passaram pelos plenários da Câmara e do Senado, separadamente.

Segundo o jornalista, a produção legislativa em 2008 ficou a desejar em termos de qualidade. “O presidente da Câmara, por exemplo, fez um esforço pessoal enorme para aprovar conclusivamente as reformas política e tributária, a PEC do trabalho escravo, mas não houve concordância da oposição, cuja obstrução foi intransigente”, avalia.