Demissões coletivas precisam de norma que responsabilize as partes
Por Euclides Di Dário
A dispensa de 4,2 mil funcionários da Embraer alimentou o debate em relação à dispensa coletiva de trabalhadores. O sindicato da categoria solicitou a anulação das dispensas argumentando que não houve negociação. A empresa contra-argumentou alegando que agiu de acordo com a lei e que as demissões foram necessárias diante da crise econômica internacional. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região julgou a despedida abusiva e condenou a empresa ao pagamento de uma indenização adicional, fundamentando a sentença na necessidade do empregador de agir com boa-fé objetiva, fornecendo as informações necessárias. O Tribunal Superior do Trabalho, contudo, concedeu efeito suspensivo ao Recurso Ordinário interposto pela Embraer, fundamentando a decisão no argumento de que a empresa observou as leis vigentes, e que, por falta de amparo legal, não procede o argumento do sindicato de que a empresa estava obrigada a negociar.
Fato é que as empresas não devem considerar que dispensar milhares de trabalhadores tem o mesmo efeito que dispensar apenas um deles. A demissão coletiva, por seus efeitos sociais, não deve ser tratada como um conjunto de demissões individuais. Embora não haja uma norma específica para a dispensa coletiva, as empresas têm uma responsabilidade social e devem agir com boa-fé além de respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores. O ordenamento jurídico não se restringe às normas positivas. Aplicam-se os princípios e as cláusulas gerais que estabelecem a função social do contrato, da propriedade e da empresa. Diante de dificuldades conjunturais ou estruturais é necessário buscar alternativas que atenuem o impacto social das demissões em massa. É preciso que as dispensas, quando inevitáveis, sejam realizadas segundo um planejamento pré-estabelecido e com critérios conhecidos pelos trabalhadores. O poder unilateral de demissão coletiva do empregador é limitado pelos direitos fundamentais dos trabalhadores e pela função social da empresa. Se de um lado está em jogo o direito patrimonial dos acionistas, do outro lado estão os direitos dos trabalhadores. Sendo assim é preciso negociar alternativas que, equilibradamente, componham os interesses das partes.
Por outro lado, os sindicatos não devem recusar-se a negociar. Como diz Eduardo Pragmácio em seu artigo Na era das negociações coletivas, a boa-fé é uma via de mão-dupla, ou seja, não se deve exigir a boa-fé apenas dos empregadores, mas também dos trabalhadores e de seus representantes. O quadro atual do sindicalismo no Brasil indica que esses organismos têm uma baixa representatividade o que nos faz pensar na possibilidade da negociação direta entre empregador e empregados quando, como no caso de demissão coletiva, houver interesses homogêneos envolvidos. Quando uma empresa está em dificuldades, talvez o melhor seja que uma comissão formada por representantes dos trabalhadores, do empregador e do sindicato busquem, em conjunto, a melhor solução.
Por tudo isso, percebe-se que a falta de regulação para a dispensa coletiva se faz sentir principalmente nos momentos críticos como estes que estamos vivendo. É preciso que os legisladores disponibilizem um instrumento para minimizar os efeitos sociais resultantes da eliminação de um grande número de postos de trabalho, que segundo nosso entendimento, deve estabelecer a obrigatoriedade das partes de agirem com boa-fé, de informar e negociar, de elaborar um plano com critérios conhecidos pelos trabalhadores, e da participação da representação dos trabalhadores na empresa e do sindicato nas negociações.
A Justiça do Trabalho tem, neste caso, a oportunidade de criar jurisprudência sobre o assunto, o que dá ao caso Embraer uma singular importância. A nosso ver, esta decisão deve impulsionar a regulação das demissões coletivas, com a valorização da função social e efetivação dos direitos fundamentais. Entendo que é preciso estabelecer a consciência de que demissões em massa devem ser executadas após um criterioso processo de análise e negociação dos direitos das partes envolvidas e não de forma a salvaguardar apenas os interesses dos acionistas ou sócios do negócio. A argumentação de eventual insegurança jurídica originada por decisões não fundamentas em disposições legais é questionável, uma vez que, quando o interesse coletivo está em jogo, o magistrado pode fazer uso dos princípios, das cláusulas gerais e até do direito comparado, como aliás, estabelece o artigo 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas.