Homenagem Póstuma ao eterno Tuísca
Por Igor Saulo Ferreira Rocha Varjão Assunção
Há pessoas que se destacam por viverem muito e outras que se destacam por viverem intensamente. Dr. Antônio Soares Lopes é destaque duplo: viveu intensamente seus quase 97 anos de idade.
Dr. Antônio Soares Lopes nasceu aos vinte e nove dias do mês de fevereiro de 1912, na cidade de Itabuna, local em que foi registrado a primeira vez, filho de Dr. Soares Lopes, primeiro médico a chegar em Tabocas, hoje Itabuna, e de D. Laura Ferreira Lopes. Onze dias após seu nascimento seus pais se mudaram para a cidade de Ilhéus, sua grande paixão, onde foi novamente registrado.
De tão levado que fora na infância, recebeu o apelido de Tuísca. O grande escritor baiano Jorge Amado, amigo de infância, o eternizou, ao lembrar das terríveis diabruras que fizeram e praticaram juntos, nas longas ruas de Ilhéus, no romance Gabriela Cravo e Canela. Segundo João Hygino Filho, só é possível conhecer o verdadeiro Antônio Soares Lopes, o Tuísca, lendo Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado, através da novela Gabriela, e do filme de mesmo nome.
Seus estudos foram realizados no Grupo Escolar de Ilhéus, no Colégio de D. Maria Calazans, no Colégio Carteado e no Colégio Ateneu Fernando Caldas. Em fevereiro de 1926 foi admitido no Ginásio Castro Alves, tendo passado em primeiro lugar.
Em 02 de julho de 1929 estreou no time do Vitória contra o Flamengo, tendo ganhado o jogo de 3 X 1, com dois gols de Dr. Lopes, à época, apenas Tuísca. Jogou no América do Rio e chegou a participar do antigo Campeonato Nacional de Futebol.
Na adolescência fundou o jornal “O Fuxico” e foi colunista do jornal “Fuzil”. “O Fuxico” tinha o objetivo de contar aos outros as coisas passadas da cidade, e as peraltices, namoros e brigas que surgiam com os companheiros de idade. O jornal “Fuzil” atirava contra as injustiças sociais e os desmandos políticos daquela época.
Em 1931 mudou-se, de navio, para o Rio de Janeiro, aos dezoito anos de idade, para continuar seus estudos no Instituto de Ensino Secundário. Passou no vestibular para medicina na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, concorrendo com 2.800 candidatos. Cursou até o sexto ano de medicina. Após isso, clinicou em Pouso Alegre, hoje Almadina, e outras cidades vizinhas, por quatro décadas, seguindo os passos de seu pai na ajuda aos necessitados.
Em 1947, casou-se com Maria Madalena Pereira de Souza, com quem conviveu durante 8 anos.
Foi eleito vereador no município de Almadina sete vezes consecutivas, totalizando 28 anos na Câmara de Vereadores de Almadina, do ano de 1954 até 1982. Foi, inclusive, o primeiro Presidente daquela Casa Legislativa.
Foi professor de Ciências e História por 16 anos.
Chegou a Eunápolis, na época 64, o maior povoado do mundo, estendendo seu trabalho profissional para Porto Seguro e Guaratinga, onde contraiu núpcias com Luzia Severino da Silva, estando ainda vinculado à Câmara Municipal de Almadina.
Deixou de clinicar em 1976 por entender que era hora de iniciar uma nova etapa em sua vida.
Em 1978, quase aos setenta anos de idade, prestou vestibular para o curso de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade de Santa Cruz, com o sonho de ser advogado, tendo sido aprovado em segundo lugar. Os noticiários da época noticiaram que “Tuísca de Jorge Amado, passou no vestibular”.
Em 1982 terminou o curso de Direito. Foi Orador Oficial de sua turma após ser eleito em um concorrido concurso de oratória.
Foi Defensor Público em Porto Seguro e em Eunápolis.
Conhecido de todos em Eunápolis como Dr. Lopes, o Tuísca, exerceu brilhante advocacia, revelada em sua ousadia e persistência diante dos casos que lhes eram apresentados. Dr. Lopes não foi apenas um advogado, mas um grande pai para as pessoas carentes de Eunápolis.
Tive a grata satisfação de ter com ele longas conversas ainda quando estudante de Direito. Suas palavras de encorajamento e suas lições de vida ficarão para sempre marcadas em minha memória. Assisti a três sessões do Tribunal do Júri em que ele participou e cada vez ficava admirado com a lucidez e o entusiasmo com que patrocinava a defesa de seus clientes.
Dr. Lopes escreveu sabiamente que “advocacia é uma profissão sublime. É a luta contra as injustiças. Ser advogado enaltece a alma e enobrece o coração. Se o médico luta contra a morte, nos leitos dos hospitais, nos quartos velados do moribundo, o advogado, nas barras dos Tribunais, luta denodadamente contra as injustiças que, não raras vezes, a vida oferece”.
Dr. Lopes é figura inesquecível não apenas por ter sido eternizado por Jorge Amado em Gabriela Cravo e Canela, como o Tuísca, mas por todos aqueles que foram beneficiados por sua amizade, por sua medicina e por sua constante e incansável luta por justiça.
Como ele sempre gostava de repetir: “Tuísca, de moleque virou doutor, mas continua Tuísca”. Quem o conheceu de perto, sabia de suas peraltices, revelando sua alma de menino.
A Subseção de Eunápolis da Ordem dos Advogados do Brasil sente orgulho de ter tido Dr. Lopes como membro, Advogado com A maiúsculo.
Afirmou a jornalista Anna Jailma que “A fé é como uma bússola que direciona os navios incertos para o mar da serenidade. Neste momento de despedida, é a fé que nos fortalece, para a continuidade de nosso cotidiano, entregando a Deus os nossos passos e tendo a certeza da existência da vida eterna, na Casa do Pai”.
Finalizo com Guimarães Rosa: “As pessoas boas não morrem, ficam encantadas”.