Ibama é competente para fiscalizar atividade ambiental outorgada por órgão estadual
Em decisão inédita relatada pelo ministro Humberto Martins, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em caso de omissão do órgão estadual na fiscalização da outorga de licença ambiental, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pode exercer seu poder de polícia administrativa com base no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei n. 6.398/81. A decisão deixou clara a distinção entre as competências de licenciar e de fiscalizar.
No caso julgado, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região afastou a competência do Ibama para fiscalizar e emitir auto de infração com aplicação de multa por conduta tipificada como contravenção penal, contra uma exportadora de cereais do Paraná cuja licença ambiental foi concedida pelo órgão estadual de meio ambiente. Segundo os autos, a atividade estava sendo executada sem o devido acompanhamento do órgão estadual e causando danos ao meio ambiente.
O Ibama recorreu ao STJ, mas seu recurso especial foi rejeitado monocraticamente pelo ministro Humberto Martins. Na ocasião, ele argumentou que a jurisprudência da Corte orienta-se no sentido de que, se o ato originário do auto de infração é tipificado como contravenção penal, é vedada ao funcionário do Ibama a aplicação de multa, visto que não se trata de infração administrativa, e que só a lei, em sentido formal e material, pode tipificar infração e impor penalidade.
O órgão interpôs agravo regimental reiterando que a competência constitucional para fiscalizar é comum a todos os órgãos ambientais. Sustentou, ainda, que sua competência para fiscalizar atividades que possam causar dano ambiental é supletiva na forma do artigo 10 da Lei n. 6.938/91, mas é plena para fiscalizar a adequação das condutas dos agentes às normas jurídicas e aos termos das licenças.
Ao analisar o agravo, o relator concluiu que a atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União pode ser fiscalizada pelo Ibama, mesmo que a competência para licenciar seja de outro ente federado, pois o pacto federativo atribui competência aos quatro entes da Federação para proteger o meio ambiente por meio da fiscalização.
Segundo o ministro, o poder de polícia administrativa envolve diversos aspectos, entre eles, o poder de permitir o desempenho de uma atividade desde que atendidas as prescrições normativas e o poder de sancionar as condutas contrárias à norma. E, como a contrariedade à norma pode ser anterior ou posterior à outorga da licença, a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou.
Legislação
Em seu voto, o relator concluiu que de fato não é o caso de competência supletiva para licenciar, e sim de competência própria para fiscalizar, não cabendo, portanto, a incidência do caput do artigo 10 da Lei n. 6.398/81, aplicado pelo TRF.
O referido dispositivo determina que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
Para ele, a competência de fiscalizar do Ibama está definida no parágrafo 3º do artigo 10, que dispõe que o órgão estadual do meio ambiente e o Ibama, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras de poluição para manter as emissões gasosas, os afluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido.
“Esse é o dispositivo que deve ser aplicado, pois a atuação da União não se mostra apenas na omissão do órgão estadual, mas apresenta-se também para evitar danos ambientais a bens seus”, ressaltou o relator em seu voto.
Assim, a Turma concluiu que, ao afastar a competência do Ibama, o tribunal de origem violou o parágrafo 3º da referida lei e determinou a imediata reforma do acórdão para anular a segurança anteriormente concedida. Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Herman Benjamim destacou que, mais do que uma questão ambiental, este precedente do STJ define, com exatidão, a distinção entre a competência para licenciar e para fiscalizar.