José Afonso conclui que concessão de refúgio a Battisti é constitucional
Brasília, 16/04/2009 - O jurista José Afonso da Silva, um dos maiores constitucionalistas brasileiros da atualidade, encaminhou hoje ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, parecer concluindo que foi constitucionalmente correta a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, ao conceder a condição de refugiado ao italiano Cesare Battisti, preso no Brasil e cuja extradição foi pedida pelo seu país. Para o jurista, a concessão do refúgio , "sob ser um ato da soberania do Estado brasileiro, está coberta pelos princípios da constitucionalidade e da legalidade".
Conforme a conclusão de José Afonso - cujo parecer sobre a questão foi aprovado pela Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, da qual é membro -, a extradição de Battisti requerida pela Itália não encontra qualquer apoio constitucional ou legal. "Em face dessa decisão (da concessão de refúgio), e nos termos do art. 33 da Lei 9.474, de 1997, fica obstada a concessão da extradição, o que implica, de um lado, impedir que o Supremo Tribunal Federal defira o pedido em tramitação perante ele, assim como a entrega do extraditando ao Estado requerente, mesmo que o Supremo Tribunal Federal, apesar da vedação legal,entenda deferir o pedido", sustentou o constitucionalista.
A seguir, a íntegra do parecer do jurista José Afonso da Silva sobre a questão do refúgio concedido pelo Ministério da Justiça a Cesare Battisti:
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOSD DO BRASIL
PROCESSO: 2008.31.02061-01
ASSUNTO: Pedido de análise da situação do italiano Cesare Battisti preso no Brasil e a legalidade da decisão do Ministro da Justiça.
Senhor Presidente,
Este expediente se originou de uma carta da Sra. Fred Vargas, francesa domiciliada em Paris, França, dirigida ao Eminente Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Cezar Brito, dizendo que há quatro anos com outros amigos franceses acompanha a situação do italiano Cesare Battisti na França e no Brasil e que foi preso no Rio de Janeiro em 18 de março de 2007. Conta também um Processo anexo n. 2007.18.03527-01 proveniente de Arnaldo Fernandes de Fortaleza que encaminha coletânea de texto encabeçados pelo Beltim Informativo "Liberdade para Cesare Battisti, Não à Extradição" elaborado pelo Movimento sediado em Fortaleza, em que solicita assistência ao caso.
Há nesses expedientes diversas manifestações de apoio a Cesare Battisti, como há uma matéria da Veja contra.
Este expediente foi submetido a esta Concessão para "a análise da situação do italiano Cesare Battisti preso no Brasil e a legalidade da decisão do Ministro da Justiça" que lhe concedeu o estado de refugiado.
Essa em síntese apertada o relatório, passo a opinar.
1. O caso
1. Extrai-se desse expediente que o cidadão italiano, Cesare Battisti, participou, na Itália, nos anos setenta, de um grupo subversivo de esquerda, chamado Proletários Armados para o Comunismo-PAC, ferozmente combatido e perseguido pelo Francesco Cossiga, quando Ministro do Interior e Primeiro Ministro da Itália. Nesse contexto, Cesare Battisti foi preso em 1979 e condenado a uma pena de 12 anos e 10 meses, por sua participação em ações subversivas e contrárias à ordem do Estado. Consta que, nesse julgamento, não lhe foi imputado nenhum homicídio ou ação terrorista, tendo sido pela sentença considerado um militante cujas atividades não redundaram em mortes ou em qualquer ato terrorista (fls. 63 e 64).
2. Em 1981, Battisti fugiu da prisão. Foi para o México, de onde foi para a França, beneficiando-se aqui da doutrina Mitterrand, que garantia o asilo e a não extradição de perseguidos políticos, baseado na qual solicitou e obteve asilo na França.
3. Em 1982, contudo, Pietro Mutti, fundador do PAC, mediante delação premiada, com base na Lei dos Arrependidos, imputou a Cesare Battisti a responsabilidade pelas mortes causadas pelo grupo. Diante disso, a Itália solicitou à França a sua extradição, mas o pedido foi denegado nos termos da doutrina Mitterrand. Em decorrência da delação premiada, Cesare Battisti foi condenado, em sua ausência, à prisão perpétua pela Justiça italiana, como responsável pelos homicídios de Santoro, Campagna, Sabbadin e Torregiani.
4. Na carta que deu origem a este expediente, Fred Vargas diz o seguinte: "Tenho a dizer-lhe que Cesare nunca cometeu estes homicídios, pelos quais foi Cesare absolvido na Itália (em 1981). Depois foi acusado novamente pelos mesmos fatos por um chefe de grupo armado que se constituiu ‘arrependido'' (declaração premiada) tendo sido este beneficiado, acusando Cesare por todos os outros crimes, inclusive o de quadrilha. Durante estes processos, Cesare estava ausente. E foi ‘representado'' por dois advogados (que defendiam vários acusados do grupo), com três folhas em branco assinadas que foram transformadas em procurações sem a autorização de Cesare. Mesmo assim foi condenado à mais pesada das penalidades" (fls. 4).
5. Cesare Battisti nega peremptoriamente que tenha cometidos os tais homicídios. Em manifestação dirigida aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, diz, sim, que nasceu numa família comunista muito militante, ainda criança era levado pelo pai à rua para gritar slogans de revolta. Confessa que participou do grupo de luta armada, o PAC, que tinha por chefe Pietro Mutti.
"Quero deixar claro a Vossas Excelências o que sei sobre os quatro homicídios pelos quais fui condenado na minha ausência, sob alegações diversas. As acusações foram de que eu teria cometido os assassinatos de Santoro e Campagna, que eu teria sido cúmplice sobre o lugar no caso da morte de Sabbadin, e que teria organizado a ação que matou Terregiani, morto no mesmo dia de Sabbadim. Sabem, os Senhores Ministros, que fui preso em 1979 com outros militantes clandestinos e que fui julgado na Itália durante o primeiro processo dos PAC, onde estava presente. Houve numerosos casos de tortura durante este processo, com suplício da água, mas eu mesmo não fui torturado.
"Nenhuma vez durante este processo fizeram-me uma só pergunta sobre os homicídios. Os policiais sabiam perfeitamente que não os tinha cometido. Por conseguinte, fui condenado em 1981 por ‘subversão contra a ordem do estado'', o que era verdade e o que eu não negava no processo. Fui condenado a 13 anos e seis meses de prisão, porque naquela época as penalidades, de acordo com as novas leis de urgência, eram multiplicadas por três para os ativistas. Esse tempo foi depois reduzido para 12 anos.
"O meu processo, único e verdadeiro processo ao qual tive direito na Itália, foi concluído. Estava numa das ‘prisões especiais'' que tinham sido construídas para nós, chamados de ‘terroristas''. Como prova de que a justiça italiana reconhecia aquela época a minha inocência quando às acusações de homicídio, fui transferido para uma prisão para ‘aqueles cujos atos não causaram a morte". (fls. 80v e 81).
Afirma que abandonou a luta armada em face do horror que sentiu diante do assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. Decidiu, por isso, romper com a luta armada. "No que respeita aos PAC, decidimos por uma nova palavra de ordem, segundo a qual estaríamos armados para defender-nos, mas nunca para atacar pessoas. Estupidamente fiquei tranqüilizado por esta decisão, votada pela maioria. Mas um mês depois, em junho de 1978, um grupo autônomo dos PAC, dirigido por Arrigo Cavallina e chefiado por Pietro Mutti, sem consulta à totalidade dos membros responsável, matou o chefe dos agentes penitenciários, Santoro. Houve imediatamente uma reunião, muito agitada. Pietro Mutti e Arrigo Cavallina defenderam esse homicídio com grande vigor. Nesse mesmo dia deixei o grupo, como uma boa parte dos membros antigos que se opunham a todo ataque contra pessoas".
6. Essa afirmativa de que abandonara as ações subversivas parece verdadeira, porque encontra respaldo na sua vida posterior, de que não se lhe acusa de nenhuma ação política, tendo assumido na França outras atividades de natureza inteiramente diversa, passando a trabalhar, tornando-se escritor, casando-se.
7. Não obstante isso, por diversas circunstâncias políticas, inclusive as de terem assumido os governos da Itália e da França homens de nítida forma conservadora e até direitista, com o que o governo Belusconi fez novo pedido de extradição de Cesare Battisti a governo francês, agora sob a chefia de Jacques Chirac.
8. Diante disso, Cesare Battisti, vendo-se perseguido, em face dessa trama política, decidiu abandonar a França e refugiar-se no Brasil, mas, ciente disso, o governo italiano dirigiu ao governo brasileiro um pedido de sua extradição para Itália, que está sendo processada perante o Supremo Tribunal Federal, razão porque Cesare Battisti foi preso no dia 18 de março de 2007, à disposição do Tribunal, até que se decida sobre o pedido de extradição. Nesse ínterim, ele solicitou ao Ministro da Justiça o reconhecimento do status de refugiado.
2. O estado de refugiado
9. O interessado, depois de fugir da França, nos termos já vistos, refugiara-se no Brasil por conta própria e requereu fosse reconhecida a sua condição de refugiado político pelo governo brasileiro. O pedido, de acordo com a lei de regência (Lei 9.474, de 22.6.1997), foi submetido à apreciação do CONARE-Comitê Nacional para Refugiados (art. 12)., que, no entanto, negou ao interessado a condição de refugiado, que, inconformado, recorreu, tempestivamente, dessa decisão para o Ministro da Justiça, nos termos do art. 29 daquela lei:
"No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação".
10. O Ministro da Justiça conheceu do recurso e lhe deu provimento em decisão fundamentada na legislação pertinente, reconhecendo ao recorrente a condição de refugiado político nos termos d art. 1º, inc. I, da Lei 9.474, de 1997, in verbis:
"Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
"I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país".
A Lei 9.474, de 1997, como se vê de sua ementa, define os mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, foi adotada, em Genebra, em 28.7.1951 pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários, convocada pela Resolução 429 (V) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14.12.1950, "[e] xprimindo o desejo de que todos os Estados, reconhecendo o caráter social e humanitário do problema dos refugiados, façam tudo o que esteja ao seu alcance para evitar que esse problema se torne causa de tensão entre os Estados" (Considerandos). Mas essa Convenção era restrita aos refugiados em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951,o que, por certo, não abrangeria a situação do interessado. Tendo em vista essa estreiteza é que a Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16.12.1966, pela Resolução 2.198 (XXI) adotou o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados (1966), ao qual aderiram os Estados signatários daquela Convenção, para o efeito de ampliar o significado do termo refugiado que, assim, passou a abranger "qualquer pessoa que se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as palavras ‘em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e...'' e as palavras ‘...como conseqüência de tais acontecimentos'' não figurassem do parágrafo 2 da seção A do artigo primeiro". Em tais termos, a situação do interessado se enquadra nas regras da citada Convenção.
Esse enquadramento decorre, além do mais, dos termos da Lei 9.474, de 1997, que tem exatamente a finalidade de implementar as regras daquele Estatuto dos Refugiados.
11. Nesse particular, portanto, a decisão do Ministro da Justiça encontra amparo legal no direito interno como no direito internacional. A decisão do Ministro da Justiça, como visto, fundamentou-se no disposto no art. 1º, I, da Lei, reconhecendo devidamente fundados os temores de perseguição do interessado em seu Estado de origem por motivos de opiniões políticas. Para assim decidir, observou o Ministro:
"Por sua vez, o Estado [do] requerente não ofereceu oposição à alegada conotação política aventada quanto aos fatos pelos quais seu nacional é reclamado. Ao contrário, consignou expressamente em sentença que, nos diversos crimes listados, agiu o Recorrente ‘com a finalidade de subverter a ordem do Estado'', afirmando ainda que os panfletos e as ações criminosas de sua lavra objetivavam ‘subverter as instituições e fazer com que o proletariado tomasse o poder'''' (grifei).
"Vê-se, portanto, que no caso ora em análise impõe-se uma inquietante e crucial questão central: o Recorrente possui fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas? Teria o Recorrente, ademais, cometido crimes políticos ou sofrido perseguição política que resultasse na constatação de ilícitos criminais por ele não perpetrados?"[1]
Nesse diapasão, a decisão ministerial mostra que os mecanismos de funcionamento da exceção operaram, na Itália, também fora das regras da própria excepcionalidade prevista na lei, sujeita a "poderes ocultos", verificando-se flagrantes, em casos concretos, medidas de exceção que ressoam ainda hoje nas organizações internacionais de defesa dos direitos humanos (fls. 97 e 98).
13. Essas considerações da decisão causaram reações políticas pelo governo italiano e na mídia, como se o Ministro estivesse pondo em dúvida a seriedade da Justiça italiana. Mas a verdade é que houve desvios e abusos, que se tornaram, em muitos casos, de conhecimento público e internacional, como os que foram cometidos pelo notório Procurador Di Pietro, tal foi a repercussão que ele se viu na contingência de renunciar às suas funções.
14. O interessado e Recorrente alega que não foi ouvido no processo em que foi condenado à prisão perpétua. De fato, na época, ele vivia fora da Itália asilado na França, mas tinha endereço certo e sabido, onde poderia ter recebido a notificação da citação de acordo com a legislação italiana. Ora, o novo Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto n. 447, de 22.9.1988, do Presidente da República, em vigor a partir de 24.10.1989, considera essencial a presença do imputado, indispensável para a realização de certas provas, até porque essa nova legislação processual penal rompeu com o velho sistema inquisitório que vigorava, na Itália, com o Código de 1930, passando a adotar o princípio acusatório, que é historicamente refratário ao julgamento à revelia do acusado. O sistema anterior, concebido pelo Ministro Rocco, compactuava "com a insídia de uma acusação sem o correlativo da defesa", como observou Francisco Campos na "Expansão de Motivos" ao projeto que se transformou no Código de Processo Penal brasileiro (Decreto-lei 3.689, de 3.10.1941). Ainda que proveniente de uma ditadura, esse Código contemplava o princípio acusatório, em sua essência, por isso, em certos, processos não admitiam julgamento se o acusado não estivesse presente. É o caso dos processos de competência do Tribunal do Júri. Basta uma referência de Frederico Marques:
"Quid inde, se o réu pronunciado em crime inafiançável foge da prisão depois de intimado da pronúncia?
"Quer parecer-nos que, em face de tal hipótese, a única solução será aguardar a captura do acusado, para então providenciar-se sobre o seu julgamento em plenário. Não se nos afigura possível julgamento à revelia do réu, no Tribunal do Júri, quando pronunciado ele em crime inafiançável. Tanto isso é exato que o art. 451, § 1º, só faz menção a réu incurso em ‘crime afiançável''."[2]
É que no processo acusatório vige o princípio da bilateralidade dos atos e termos processuais, por isso, "necessário se torna que cada litigante tenha conhecimento dos atos praticados pela parte contrária, através de citação, notificação ou intimação, sendo ainda notas inerentes ao princípio enunciado, as que abaixo se discriminam: a) a obrigatoriedade de um defensor técnico ao acusado (...), pois de outra forma se quebraria o equilíbrio entre as partes, visto que técnico é sempre o órgão da acusação; b) o direito de ambas as partes produzirem, em igualdade de condições, as provas relativas às pretensões que respectivamente formularam".[3]
15. Por certo que, na Itália, com o Código de Processo Penal de 1988, que adotou o processo acusatório, tais princípios também vigoram, com a exigência da regular constituição das partes na relação processual penal. Veja-se o que diz, a propósito, Giulio Illuminati:
"Com la nuova strutura del processo, per l''imputato risulta fondamentale essere presente al dibattimento, dato che essenzialmente in questa fase há luogo la formazione della prova. L'' esercizio dell''autodifesa deve perciò potersi realizzare com la massima ampiezza.
"La presenza dell''imputato, inoltre, può deventare indispensabile per l"assuzione di determinate prove (si pensi ad uma ricognzione o ad uma ispezione personale); a tal fine l''art. 490 consente che sai sempre disposto l''accompagnamento coattivo, independentemente dal fatto che si tratti di assente o contumace, libero o detenuto. Il provvedimento non è ammesso per procedere all''esame, poichè quest''ultimo non può aver luogo senza il consenso dell''imputato (...).
"Per garantire in concreto il diritto dell''imputato a partecipare al dibattimento, ed assicurare com um ragionevole margine di sicurezza che l'' eventuale assenza sai dovuta ad uma scelta volontaria, è stata completamente rivista, sulla base delle indicazioni contenute nella legge delega (soprattutto nel''art.2nn. 77 e 82) la disciplina della contuacia.
"La contumácia, bisogna premettere, è istituto storicamente estraneo al processo accusatorio - che di regola non può svolgersi senza l''imputato - trovando il suo terreno più congeniale nella procedura continentale, per la prevalenza in questa tradizionalmente attribuita all''esame dei documenti scritti rispetto al contraddittorio orale. Oggi la contumácia può, tuttavia, essere construita come strumento di tutela dell''imputato, al quale viente riconosciuto, in línea di principio e salvo eccezioni, un vero e próprio diritto di non partecipare al giuzio senza per questo doversi trovare, giuridicamente, in um condizione deteriore".[4]
O autor acrescenta que, sob tal ótica, a disciplina do Código de 1930 resultava inadequado para garantir a efetividade do direito de defesa e, em geral, o respeito do princípio do fair rearing requerido pelas cartas internacionais. "Tanto che, com'' è noto, l''Italia è stata anche condannata dalla Corte europea dei diritti dell''uomo per violazione dell''art. 6 comma 1º della Convenzione europea".[5]
Isso mostra que as declarações feitas pelo Ministro da Justiça na decisão, que causaram tanta reação política, não são de modo algum destituídas de veracidade. Ao contrário, informações, como a transcrita, confirmam a prática de ilegalidade e abusos na perseguição penal de pessoas envolvidas em ações subversivas.
16. Um dos princípios fundamentais do processo acusatório é o da obrigatoriedade de um defensor técnico do acusado. Ninguém pode ser processado e julgado sem um defensor que efetivamente promova sua defesa de modo amplo. Ora, Cesare Battisti alega que não teve advogados que efetivamente defendessem seus direitos nos processos em que foi condenado à prisão perpétua. Alega que as procurações que foram exibidas por advogados eram falsas, obtidas pelo preenchimento de papéis em branco que deixou assinados em mãos de seus companheiros do PAC. É uma alegação que pode ser verdadeira, mas é difícil acreditar nela, porque não parece plausível que ele, que estava dissociando-se do grupo, deixasse ali, ingenuamente, papéis assinados. Seja como for, o que parece é que sua defesa foi deficiente, especialmente pelo fato de estar ausente. Sua condenação, até onde se conhece, fundamentou-se no testemunho de pessoas beneficiárias da instituição da delegação premiada. Isso, sendo verdade, realmente macula o processo, porque se trata de testemunhos imprestáveis à luz do devido processo legal de natureza acusatória. A delegação premiada tem a natureza de uma notícia crime com a indicação da autoria, mas não pode ser elemento probatório. A delação serve para indicar o fato e sua autoria, cuja veracidade tem que decorrer de outros meios de prova: pericial, inspeção e até testemunhas idôneas, que a acusação tem o ônus de apresentar em juízo.
17. Enfim, por tudo isso e o mais que consta dos fundamentos da decisão, a conclusão é a de que ela se reveste do princípio da legalidade e se harmoniza com a Constituição.
3. Asilo e refúgio
18. O asilo e o refúgio, embora guardem entre si muitos pontos comuns, são, no entanto, institutos diferentes. Valério de Oliveira Mazzuoli indica algumas diferenças: o asilo tem sua fonte em tratados multilaterais; o refúgio tem suas normas elaboradas uma organização vinculada às Nações Unidas (na verdade, por Convenções); o refúgio, ao contrário do asilo, tem sua origem motivada por situações de guerra.[6] Esta última diferença parece não mais existir, desde que o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1966 ampliou o significado do termo "refugiados". Por isso é que o caso de Cesare Battisti pode ser enquadrado na condição de refugiado. Valério entende que outra diferença seria o asilo se aplica em situações de perseguição política e ideológica, enquanto o refúgio se aplicaria nos casos de perseguições por motivos de raça, grupos sociais, religião e situações econômicas de grande penumbra.[7]7 No entanto, o art. 1º, inc, I, da Lei 9.474, de 1997, inclui as "situações de perseguição política e ideológica" entre os motivos de concessão da condição de refugiado no Brasil: "Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:"I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupos sociais ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país". Foi com base nesse dispositivo, como visto, que o Ministro da Justiça reconheceu ao interessado a condição de refugiado político. 19. Semelhantemente ao asilo, o refúgio deve-se reconhecer que o reconhecimento da condição de refugiado por um Estado a pessoas é um ato pacífico e humanitário e que, como tal, não pode ser considerado inamistoso por nenhum outro Estado. Por isso, é incompreensível a reação do governo italiano diante da concessão da condição de refugiado ao seu nacional, visto tratar-se de um ato pacífico e humanitário. Ainda tal como no caso do asilo, caberá ao Estado que reconhece a condição de refugiado qualificar as causas que o motivam, ou seja a qualificação do delito político é de competência do Estado que concede o refúgio. A concessão de ambos, asilo e refúgio, constitui ato de soberania do Estado concedente, insuscetível, portanto, de contestação por outro Estado. Portanto, a decisão do Ministro da Justiça está correta quanto à qualificação da natureza política dos crimes imputados a Cesare Battisti. 4. Condição de refugiado e extradição 20. No caso em exame, há duas situações que, pelo menos, aparentemente se contrapõem, qual seja o pedido pelo governo italiano da extradição do refugiado. Ora, se ao cidadão foi reconhecida a condição de refugiado, o pedido de sua extradição se revela, no mínimo, como descortesia em face da soberania do Estado brasileiro, e, se o pedido antecedeu à concessão da condição de refugiado, as regras de cortesia nas relações internacionais aconselhavam a desistência do pedido e não a insistência nele, como está acontecendo. 21. O pedido de extradição e seu processo são anteriores ao reconhecimento da condição de refugiado do extraditando, já contando com parecer do Procurador Geral da República favorável ao deferimento do pedido, por entender que não é o caso de delito político ou de opinião política (fls. 31s). Isso impedia a decisão do pedido de refúgio e sua concessão, como veremos mais adiante com base da lei pertinente, mas a existência das duas situações gera problemas, no mínimo, de aparente conflito, tais como, entre outros: a) qual a repercussão da concessão da condição de refugiado no processo de extradição; b) se a definição do crime como político pela decisão ministerial vincula o Supremo Tribunal Federal; c) se a concessão da condição de refugiado suspende ou não a tramitação do processo de extradição. 22. Antes de apreciar essas questões, parece útil apresentar uma síntese do regime constitucional da extradição, especialmente para denotar seus limites, porque a Constituição lhe traça. Aqui, contudo, só interessa os limites quanto à natureza do delito. De fato, a Constituição veda a extradição por crimes políticos ou de opinião, e isso é coerente com as garantias constitucionais da manifestação do pensamento, a liberdade de consciência, crença e de convicção filosófica e política (art. 5º, IV, VI e VIII). Portanto, como escrevi antes, foi revogado pela Constituição o §1º do Estatuto dos Estrangeiros (Lei 6.815, de 22.8.1980) "ao declarar que o fato político não impedirá a extradição quanto constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político constitui fato principal. Ora, o fato principal, para a tutela constitucional," " é sempre o crime político. Este é que imuniza o estrangeiro da extradição. Logo, onde ele se caracterize, onde ele exista, predomina sobre qualquer outra circunstância, e, portanto, não cabe a medida, pouco importando haja ou não delito comum envolvido, que fica submergido naquele. "Vale lembrar, a propósito, lição do advogado Sepúlveda Pertence, depois magistrado do STF [hoje aposentado], na VIII Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil,[8]8 de onde se deduz que a extradição deve ser negada ‘quando as circunstâncias demonstrem que a persecução formalmente desencadeada por imputação de delitos comuns dissimula o propósito de perseguir inimigos políticos ou, pelo menos, evidenciem que a posição política do extraditando, na conjuntura real do Estado requerente, influirá desfavoravelmente no seu julgamento'', especialmente porque ‘é notório ser costume de certos regimes pintar todos os seus próprios adversários como delinqüentes comuns, quando não fabricar logo as provas da sua participação em crimes que, em todos os países do mundo, sejam assim considerados: em geral, delitos contra o patrimônio, delitos contra a Administração Pública e assemelhados. Já Ministro do STF, o autor aplicou essa doutrina, como relator do ‘caso Falco'', acolhida pela Corte", nos termos seguintes: ‘‘‘‘Extradição - Argentina - Invasão do Quartel de La Tablada - Criminalidade política - Denegação (...) 3. (a) Fatos enquadráveis na lei penal comum e atribuídos aos rebeldes: roubo de veículo utilização na invasão do Quartel e privações de liberdade, lesões corporais, homicídio e danos materiais, perpetrados em combate aberto, no contexto da rebelião, são absorvidos, no Direito Brasileiro, pelo atentado violento ao regime, tipo qualificado pela ocorrência de lesões graves e de mortes (...): falta, pois, em relação a eles, o requisito da dúplice incriminação - 3. (b) A impugnação de dolo eventual quanto às mortes e lesões graves não afasta necessariamente a unidade do crime por elas qualificado - 4. Ditos fatos, por outro lado, ainda quando considerados crimes diversos, estariam contaminados pela natureza política do fato principal conexo, a rebelião armada, à qual se vinculam indissoluvelmente, de modo a constituírem delitos políticos relativos - 5. (...) (STF, Extr. 493, Argentina, real. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 132/652) (...) a existência de tratado, regulando a extradição, quando em conflito com a lei, sobre ela prevalece porque contém normas específicas" (STF, HC 51.977-DF, rel.Min. Thompson Flores).[9]][10] Por outro lado, a Constituição, no seu art. 102, inc. I, letra "g", confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente "a extradição solicitada por Estado estrangeiro". Comentando esse dispositivo dissemos: "O STF saberá atuar com prudência e visão do sentido da garantia constitucional, de sorte que, havendo dúvida quando a natureza política do delito, se decida por esta". 22. A solução dessas questões exige considerações sobre a natureza do processo de extradição e sobre a definição de quem é competente para executá-la: o Judiciário ou o Executivo. O procedimento da extradição é um misto de atividade administrativa e judicial: uma atividade administrativa inicial, desde o recebimento de pedido do Estado requerente até seu envio ao Supremo Tribunal Federal; segue-se, então, a fase judicial até o deferimento ou indeferimento do pedido; finalmente, nova fase administrativa na qual o governo promove a entrega do extraditando ao Estado requerente, quando a decisão judicial defere o pedido, ou comunica a não entrega por razões que expõe.[11] O sistema italiano é muito semelhante ao brasileiro. Lá, a autoridade administrativa é também o Ministro da Justiça [ministro di grazia e giustizia]; lá a fase judicial é de competência da Corte de Apelação.[12] Lá, como aqui, a "extradição de uma pessoa imputada ou condenada no exterior é subordinada à garantia jurisdicional, no sentido de que a extradição não é admitida sem a prévia deliberação favorável da autoridade judiciária"[13] (Lá, Codice de Procedura Penale, arts.700-705; aqui, Lei 6.815, de 1980, Estatuto dos Estrangeiros, art. 82). A fase judicial da extradição não é de típica jurisdição contenciosa.[14] "Trata-se de atividade administrativa sujeita, no entanto, ao pronunciamento e a apreciação dos órgãos judiciários, pelo menos entre os países que exigem o prévio controle jurisdicional para a entrega do criminosos ou acusado".[15] Não é um processo contencioso que tem, como partes, de um lado o Estado brasileiro, como requerido, e de outro o Estado estrangeiro, como requerente, porque é um processo de mero controle da legalidade do ato de extradição. Bem o diz a o Estatuto dos Estrangeiros, art. 82: "Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão". Mas a extradição, em si, é ato administrativo, sujeita ao controle prévio de legalidade pelo Supremo Tribunal Federal, mas não é o Judiciário que a concede, ainda que muitas vezes se lê nas decisões judiciais favoráveis, que concedem a extradição. Isso, na verdade, só significa que a extradição é constitucional e legalmente viável. Pois, como diz Frederico Marques, "Não é o Judiciário quem concede a extradição. Este ato é do Executivo, como órgão do Estado incumbido de o representar nas relações com o exterior. Como Galdino Siqueira ensina, a extradição é negócio internacional e põe em contacto dois Estados, pelo que ‘só o poder executivo, poder ativo, de ação e funcionamento contínuo, e que representa a nação nas relações exteriores, é que pode solicitá-la ou concedê-la".[16]
Aliás, o conceito de extradição bem o diz: "A extradição é o ato pelo qual um Estado entrega uma pessoa, acusada de um crime ou já condenada como criminosa, à Justiça de outro, que a reclama, e que é competente para julgá-la ou puni-la".[17] Vale dizer, a extradição consiste na entrega do extraditando ao Estado requerente, que é feita pelo Poder Executivo, desde que autorizada pelo judiciário, entre nós, o Supremo Tribunal Federal. Isso é assim também na Itália, onde a doutrina reconhece que a decisão judicial só é vinculativa se entender que a extradição seria ilegal. "A decisão final em tema de extradição compete, como no passado, ao Ministro de Graça e Justiça. Este resulta vinculado à prévia deliberação favorável da Corte de Apelação, a qual, porém, não torna obrigatória a entrega do extraditando; ao contrário, o Ministro permanece definitivamente vinculado somente pelas decisões que excluem a legitimidade da entrega do solicitado".[18] Essa é uma doutrina que se conforma também ao sistema brasileiro, ou seja, se a concessão da extradição, como nota Frederico Marques, não é da competência do Judiciário (STF), mas do Poder Executivo, este, como na Itália, só fica vinculado à decisão negativa da extradição, porque não pode conceder extradição considerada ilegal pelo STF, mas fica vinculado à decisão do Supremo que defere o pedido de extradição, porque esse deferimento se revela como mera autorização judicial para a execução do ato. Mas é de observar que é da tradição brasileira executar a extradição quando deferida pelo Supremo Tribunal Federal. É certo, por&ea