O STF e a conciliação trabalhista
Ao julgar duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) impetradas por quatro partidos políticos e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio, o Supremo Tribunal Federal (STF)concedeu liminar que autoriza os trabalhadores a ajuizarem reclamações contra os empregadores diretamente nas Varas Trabalhistas, sem terem de passar por uma comissão prévia de conciliação instituída em sindicatos ou nas empresas, como determina a legislação em vigor.
As comissões de conciliação prévia foram criadas há dez anos pelo governo do presidente Fernando Henrique, com o objetivo de resolver extrajudicialmente os conflitos individuais de trabalho, como demissões sem justa causa, aviso prévio e cálculo para pagamento de férias e horas extras. Com a medida, pretendeu-se descongestionar a Justiça do Trabalho, em cujas instâncias inferiores a primeira audiência costumava ser realizada mais de um ano depois do ajuizamento de uma reclamação.
Por essa legislação vigente, os trabalhadores não podem reclamar seus direitos diretamente nos Tribunais, tendo primeiro de se submeter a uma comissão de conciliação, que pode ter de 2 a 10 membros, observada a paridade de representação entre empregados e empregadores. Os representantes dos empregados são escolhidos em votação secreta fiscalizada pelo sindicato da categoria, enquanto os representantes dos empregadores são indicados livremente. Os integrantes da comissão contam com um mandato de um ano, podendo ser reconduzidos.
A principal característica desse mecanismo extrajudicial de resolução de litígios é a ausência de formalismo. Para acionar a comissão, o trabalhador tem de enviar uma petição expondo seus direitos e demandas, não precisando apresentar documentos e indicar testemunhas. A partir da data de registro da petição, a comissão tem de marcar em dez dias uma reunião de conciliação. Os litigantes não são obrigados a assinar um acordo. Mas, se a negociação não der certo e eles decidirem levar o caso ao Judiciário, terão de anexar à petição inicial uma declaração, registrando as pretensões que não foram atendidas e enumerando os motivos que impossibilitaram a conciliação.
Apesar de terem reduzido significativamente o número de ações na primeira instância da Justiça do Trabalho, nos últimos dez anos, as comissões de conciliação prévia esbarraram em dois problemas.
O primeiro é de natureza legal. Os juristas entendem que, ao obrigar o trabalhador a encaminhar uma reclamação primeiramente a essas comissões, a lei que as criou colide com o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição, que garante o acesso ao Judiciário a quem tiver um direito ferido ou ameaçado. Ao julgar a questão, a maioria dos ministros do STF endossou esse entendimento e afirmou que o pleito às comissões deve ser apenas facultativo.
O outro problema é de natureza ética. Como muitos trabalhadores não entendem as especificidades técnicas do direito e alguns conciliadores por eles indicados são ineptos ou têm conduta irregular, muitos acordos acabam sendo fraudados. São milhares os acordos fraudulentos que excluem vantagens a que os reclamantes teriam direito, diz o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Cláudio Montesso. Nos últimos anos, o Ministério Público do Trabalho também apresentou varias denúncias contra comissões de conciliação, alegando que elas estariam sendo usadas pelos empregadores como mecanismo de coação.
No julgamento do STF, só o ministro Cezar Peluso votou contra a concessão da liminar, alegando que a posição da Corte estaria "na contramão da História", pois a suspensão das comissões congestiona ainda mais as Varas Trabalhistas. Para evitar esse problema e preservar a conciliação, que em si é uma boa ideia, caberia ao governo preparar um projeto de lei, escoimando as inconstitucionalidades da legislação em vigor e fechando as portas para fraudes e abusos que têm sido cometidos. Afinal, uma Justiça do Trabalho abarrotada de processos não interessa nem aos empregadores nem aos empregados.