Que tal indicar outro juiz de carreira para o STF?
Por Marcello Ennes Figueira
De tempos para cá, o noticiário nacional vem registrando, com cada vez maior frequência, a atuação jurisdicional e, por vezes, política do Supremo Tribunal Federal. Certamente, a transparência das sessões do plenário do tribunal, transmitidas ao vivo pela televisão (o que, em muitos outros países é impensável — se é que o Brasil não é o único a fazê-lo), contribui para isso, a ponto de acirradas discussões entre magistrados tornarem-se públicas.
Contudo, esta ampla visibilidade do Supremo Tribunal Federal não pode ser atribuída unicamente à transparência dos atos oficiais. Basta lembrar do fenômeno de “judicialização da política” (diagnóstico apresentado por cientistas sociais), de um lado, e da atuação jurisdicional através de Habeas Corpus em casos rumorosos, de outro, para perceber que cada vez mais é o próprio conteúdo das decisões que desperta o interesse da sociedade.
Este artigo está longe de pretender fazer crítica ao conteúdo de qualquer decisão em particular, mas os exemplos ou categorias de decisões mencionadas acima (as que, de algum modo, intervêm em questões políticas e aquelas que tutelam a liberdade de locomoção, especialmente no processo penal, entre outras ditas da “competência ordinária”) ilustram muito bem a diversificada competência do tribunal. O fato é que o Brasil perdeu, com a Constituição de 1988, uma excelente oportunidade de fazer do Supremo Tribunal Federal uma verdadeira corte constitucional, nos moldes europeus. Ao invés disso, a constituinte conferiu-lhe inúmeras competências “ordinárias”, criando um órgão híbrido, jurisdicional e político.
De político, a par da função de intérprete último da Constituição, há evidentemente as investiduras. Os ministros do Supremo Tribunal Federal são indicados pelo presidente da República, livremente, “dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 75 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, e nomeados após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.
Seguramente, os ministros que compõem atualmente o tribunal são altamente qualificados. Não é isso que se discute. A questão é: essa investidura puramente política é desejável para o desempenho (ao menos) das competências ordinárias do tribunal? Na atual composição do Supremo Tribunal Federal, entre os onze ministros, há — pasme-se — apenas um juiz de carreira, que vivenciou as dificuldades da primeira instância nos processos penal e civil. Seria perfeitamente possível que não houvesse nenhum. Será que prescindir quase absolutamente da experiência na magistratura é bom para a prestação jurisdicional da última instância? Não, não é minimamente razoável.
Pois bem. Pretende-se aqui, sem grandes ilusões, apenas iniciar uma reflexão. Enquanto não houver uma reforma profunda, todavia, ouso fazer um pedido ao presidente da República, atual ou futuro: que tal, só para variar, indicar para a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal um juiz de carreira, alguém que ao longo de sua vida profissional tenha presidido audiências, frente a frente com as partes, e administrado as inúmeras dificuldades, inerentes ou provocadas por interessados, que surgem na tramitação dos processos?
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Marcello Ennes Figueira é juiz federal e diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil