TCE só pode anular certame se pede edital e a parte não cumpre a ordem
Por Bruno Barata Magalhães
A Constituição da República, na regra insculpida no inciso XXVII do artigo 22, conferiu a União, competência exclusiva para legislar sobre matéria acerca de licitação e contratação. Em 22 de junho de 1993, foi publicada a Lei federal nº 8.666/93, a norma-motora dos certames licitatórios e contratos administrativos deste país.
A Lei de Licitações e Contratos instituiu regra que garante aos Tribunais de Contas o controle das despesas e demais instrumentos insertos na mencionada lei ordinária federal. O mesmo diploma confere, outrossim, a faculdade aos Tribunais de Contas de solicitar editais de licitação antes da fase de abertura das propostas. Importante faz-se transcrever o dispositivo pertinente:
Art. 113 - O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.
§ 2o Os Tribunais de Contas e os órgãos integrantes do sistema de controle interno poderão solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia de edital de licitação já publicado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas.
Portanto, o legislador da Lei federal 8.666/93 instituiu uma faculdade aos Tribunais de Contas, caso entendam necessário, de solicitar aos órgãos da Administração Pública o exame de editais de licitação.
O controle prévio dos certames licitatórios sofreu importantes alterações, sobretudo no âmbito do estado do Rio de Janeiro, com o julgamento do Recurso Extraordinário 547.063-6, que será analisado em momento oportuno.
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no seu artigo 79, confere ao Tribunal de Contas, no que lhe couber, o controle dos atos administrativos do Estado e dos Municípios.
A Lei Complementar 63/1990, Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, em seu artigo 39, caput, inciso II, alíneas “e” e “f”, garante o direito de recebimento prévio de cópia dos editais de licitação.
Tendo em vista a necessidade de regulamentação do controle dos certames da Administração Pública pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, em 3 de janeiro de 2008 foi publicada, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, a Deliberação 244/2007.
A mencionada instrução complementar “estabelece normas a serem observadas pelos órgãos e entidades estaduais da Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos Poderes, sob a jurisdição do Tribunal de Contas, visando o controle e fiscalização dos atos administrativos que especifica”. Tal Deliberação 244/2007 obriga os órgãos da Administração Pública a enviar ao Tribunal de Contas, dentre outros atos unilaterais, bilaterais e multilaterais, os editais de licitação por concorrência, no prazo máximo de dois dias úteis após sua publicação.
O antagonismo normativo estava formado, tendo em vista que a Lei federal 8.666/93 não prevê a obrigatoriedade do envio de editais licitatórios, sendo apenas uma faculdade dos Tribunais de Contas solicitá-los, ao passo que a Deliberação 244/2007 obriga o ente da Administração Pública a enviá-lo.
Neste esteio, foi interposto o Recurso Extraordinário 547.063-6, decorrente de Mandado de Segurança, impetrado junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cuja ordem foi denegada, por ex-Chefe da Polícia Civil da Secretaria de Segurança Pública, que recebeu multa pela Corte de Contas Fluminense, por não haver encaminhado fotocópia do Edital de Concorrência 08/97 e por haver realizado o respectivo certame sem que o plenário do TCE-RJ houvesse proferido decisão acerca da matéria.
Por unanimidade, o Pretório Excelso conheceu e proveu o recurso extraordinário, concedendo a ordem no Mandado de Segurança.
A respeitável decisão restabeleceu o cumprimento original do dispositivo inserto na Lei federal 8.666/93. A regra instituída pela União, ao criar a Lei de Licitações de Contratos, era conferir aos Tribunais de Contas a faculdade de solicitar editais de licitação. Frise-se, a faculdade de solicitar. Portanto, a Deliberação 244/2007, está eivada de vícios, não podendo obrigar os entes da Administração Pública a enviar previamente seus editais, sem a solicitação expressa da Corte de Contas Fluminense.
Outrossim, no que se refere ao exame, pelo Plenário, do edital em questão, o Tribunal de Contas deverá comunicar ao órgão que adie o procedimento licitatório. Assim dispõe a regra do artigo 8º da Deliberação 244/2007:
Art. 8º - Na eventual impossibilidade de o Tribunal concluir o exame do edital antes da data da concorrência, e havendo necessidade de correções, manifestada pela Secretaria-Geral de Controle Externo, pelo Ministério Público Especial ou pelo Relator, deverá o fato ser comunicado ao órgão respectivo para que se proceda ao adiamento do ato licitatório.
Portanto, não pode o Tribunal de Contas aplicar multa pelo não-envio do edital licitatório, bem como pela realização do certame, se não comunicado previamente por aquele da necessidade de seu adiamento.
Importante faz-se ressaltar o Projeto de Lei Complementar 10/2008, que altera o artigo 39 da Lei Complementar.
A partir da publicação do acórdão do Recurso Extraordinário 547.063-6, a Corte de Contas Fluminense deverá, expressamente, solicitar o envio do edital licitatório. O envio voluntário, contudo, poderá ocorrer, vez que não há impedimento para tal ato da Administração Pública.
A regra do prazo para envio também há de ser alterada, vez que o artigo 3º, inciso II, da Deliberação n244/2007 dispõe que o envio do edital de concorrência deverá ser “no prazo máximo de 2 (dois) dias úteis após sua publicação, nos termos da legislação em vigor...”. Novo prazo deverá ser estabelecido, tendo em vista ser indispensável contar o prazo a partir da data da solicitação pela Corte de Contas.
No que se refere ao adiamento do certame, o Tribunal de Contas do estado do Rio de Janeiro deve, expressamente, comunicar ao órgão da Administração Pública sua necessidade, o que significa dizer que, se não há manifestação da Corte de Contas, não há razão para sua não-realização.
Importante ressaltar que foi aprovado, em 17 de dezembro de 2008, pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei Complementar 10/2008, que visa alterar a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Rio, a fim de, no esteio da decisão do Supremo Tribunal Federal, revogar a atual alínea “e” do inciso II do artigo 39, excluindo o envio de cópia dos editais de licitação.
Contudo, frise-se, a regra prevista na Lei de Licitações e Contratos não será prejudicada, podendo os Tribunais de Contas solicitar o envio dos editais licitatórios, na forma do seu artigo 113, caput, parágrafo 2º.
A decisão do Supremo Tribunal Federal merece toda consideração, pela sua missão de uniformizar o controle realizado pelos Tribunais de Contas, com fundamento, sobretudo, nos princípios administrativos da Carta da República e na Lei federal 8.666/93.