Editorial: A transparência como regra
"A OAB nacional está pedindo ao Supremo Tribunal Federal uma súmula vinculante que discipline o uso do segredo de Justiça, prerrogativa que tem sido utilizada por juízes nem sempre em defesa do interesse público, mas sim, em alguns casos, na proteção a suspeitos de falcatruas. A legislação brasileira diz que o instrumento só pode ser decretado em dois casos excepcionais previstos: um, quando há risco de exposição pública de questões privadas do investigado ou réu, como relacionamentos amorosos e doenças; e, outro, quando o processo contém documentos sigilosos, como extratos bancários ou escutas telefônicas.
Mas, na prática, tem sido diferente: por motivos nem sempre claros, especialmente em processos que envolvem autoridades, alguns juízes privam a sociedade de saber a verdade.
Os atos públicos, em especial os que envolvem procedimentos judiciais, têm como regra básica a transparência, a publicidade sem restrições e o acesso dos cidadãos. O contrário - ou seja, o sigilo - é sempre a exceção. Neste sentido, é absolutamente coerente e democrática a posição defendida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, de crítica à utilização indiscriminada do segredo de Justiça. "O uso sem justificativa é o ranço de uma época da qual não temos saudade", disse ele referindo-se à história brasileira desse procedimento judicial que remonta ao Estado Novo, nas décadas de 30 e 40 do século passado.
O que deveria ser uma exceção tornou-se infelizmente um expediente corriqueiro, a ponto de estar presente em um de cada quatro inquéritos criminais abertos em 2008 no Supremo Tribunal Federal. Diante dessa quebra da regra geral da publicidade, que é dever do poder público e direito dos cidadãos, o presidente nacional da Ordem dos Advogados, Cezar Britto, sugere que se estabeleça um padrão para disciplinar, em todas as instâncias do Judiciário, as condições para decretar o segredo de Justiça. Nessa área, especialmente quando está em causa o interesse público, o espaço para ao subjetivismo deve ser reduzido ao mínimo, em nome do direito dos cidadãos à transparência democrática.
À Justiça incumbe a tarefa de zelar para que as regras constitucionais do sigilo (inscritas no artigo 5º) sejam obedecidas. Entre elas estão o sigilo de correspondência e de comunicação telefônica ou a proteção do segredo fiscal e bancário. Mas não estão, seguramente, nem o encobrimento de crimes nem muito menos a obstrução do trabalho dos advogados.
Diante dessa ainda confusa aplicação do sigilo a investigações policiais e judiciais, fato que se tornou mais intrincado em decorrência de sua decretação a rumorosos inquéritos de corrupção de agentes públicos, torna-se urgente a adoção - por lei, pelo Supremo, pelo Conselho Nacional da Justiça ou até por uma jurisprudência sólida e amplamente aceita - de linhas definidoras sobre essa questão de interesse da democracia brasileira. O sigilo deve ser mantido como exceção: a regra é a publicidade.