Editorial: Irresponsabilidade fiscal
Brasília, 09/01/2009 - O editorial "Irresponsabilidade fiscal" foi publicado na edição de hoje (09) do Correio Braziliense:
"No apagar das luzes do ano passado, em 17 de dezembro, o Senado se preparava para aprovar uma gratificação extra destinada aos funcionários que ocupam cargo de comando. O Correio Braziliense revelou a intenção, e o presidente da casa, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), preferiu adiar a decisão. Agora, em pleno recesso parlamentar, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados se reúne na residência oficial da Presidência sob o comando de Arlindo Chinaglia e aprova a bolsa-chefia. A medida contemplará 3,5 mil servidores com adicional de até R$ 1,8 mil - acréscimo mensal de R$ 4 milhões na folha de pagamento, R$ 48 milhões a mais por ano.
Não se questiona que se pague bem e cada vez melhor a profissionais qualificados. Funcionários públicos, como qualquer trabalhador, têm direito a remuneração digna. E, quanto mais bem pagos, mais obrigações devem ter com a prestação de serviços de excelência. A questão aqui é outra. Primeiro, o descolamento da realidade. Em plena crise financeira, com empresas demitindo, dando férias coletivas e negociando acordos que reduzam custos, a inoportunidade do ato é flagrante. Segundo, o adicional constitui artifício, mais um penduricalho nos contracheques do Legislativo, rico em gratificações.
Por fim, o argumento é, no mínimo, questionável. Originalmente, o benefício deveria servir de incentivo à especialização. Nesse caso, servidores qualificados academicamente o receberiam segundo escala de valores, desde o curso de graduação ao doutorado. O que se faz agora é estender a gratificação aos que têm cargo de chefia - e, portanto, já recebem função comissionada -, sob a alegação de que o exercício da missão em si representa acúmulo de conhecimento. Mais esdrúxula, só a explicação do primeiro-secretário, Osmar Serraglio (PMDB-PR): "A Câmara não tinha outra saída, há uma lei mandando pagar". A pressa era tanta que a regulamentação demorou um ano. Já a Constituição aguarda várias regulamentações há 20 anos.
Mas o Legislativo não está sozinho na criação de despesas fora de hora. O descompasso é seguido de perto pelo Judiciário. Medida aprovada anteontem pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que deve ser referendada ainda este mês - pois o corporativismo sempre atua contra o tempo - estenderá a todos os servidores de tribunais e varas do país o benefício, hoje exclusivo dos magistrados, de romper o teto salarial do funcionalismo público quando houver acumulação lícita de cargos. Ou seja, quem der aulas na rede pública, exercer função na área de saúde ou desempenhar funções eleitorais poderá ganhar mais que R$ 24,5 mil. Não se sabe o impacto da iniciativa nos cofres da União.
O fato é que, efetivada a decisão do CNJ - que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pretende contestar -, o paradigma terá ido para o espaço. Aí, o problema será outro: o alto risco de efeito cascata que o precedente abrirá. Afinal, funcionários do Legislativo e do Executivo não tardarão a reivindicar a paridade com os colegas da Justiça. É só mais um pouco de neve grudada numa bola que não para de rolar e cujas consequências o cidadão prevê: mais impostos. Vê-se, assim, quanto falta para que a responsabilidade fiscal deixe de ser uma lei com que uma minoria se preocupe e passe a ser compromisso primário dos homens públicos do país."